Grupo Primavera mobiliza crianças, famílias e comunidade da região dos Amarais a proteger o meio ambiente

Por: Ana Carolina Silveira

Apresentação para crianças do SPES Educação Infantil

Giovana Pimenta, de 9 anos de idade, e Alice Amorim, 10 anos, se revezam na interpretação da Dona Sujeirinha, a protagonista da peça de teatro “Reciclagem pode ser uma festa”, encenada por crianças atendidas pelo Grupo Primavera, de Campinas. Confrontada por defensores da natureza que a encontram num ambiente sujo, com seu jaleco enfeitado por materiais que deveriam ser reciclados, Dona Sujeirinha é convencida da necessidade de respeitar a natureza, mantendo limpo não somente o local em que vive. Muita conversa e música permeiam a ação e a personagem se transforma então em Dona Limpezinha, após ganhar consciência ambiental.

O roteiro simples e carregado de informações, criado pelas crianças sob orientação da educadora social Elaine Matta, do Grupo Primavera, é um dos resultados do projeto “Verde que Te Quero Ver”, realizado pela instituição desde o ano passado em parceria com a FEAC. O projeto nasceu a partir da preocupação com a comunidade que reside às margens do Ribeirão Quilombo, no Jardim São Marcos, afetada pela enchente ocorrida após as fortes chuvas no final de 2022. Uma das principais causas das enchentes naquele ano foi a grande quantidade de lixo descartado de forma irregular no córrego, causando o transbordamento.

“Diante disso, vimos a necessidade de fortalecer e incentivar a educação ambiental no território, despertando nas crianças um novo olhar. Criamos o projeto que tem como objetivo incentivá-las a adotar, em conjunto com a comunidade, práticas ambientais positivas e ter um senso ainda maior de coletividade”, diz Alessandra Felippe, assistente social do Grupo Primavera. Com faixa etária entre oito e dez anos de idade, 60 crianças atendidas pela instituição são beneficiárias diretas do projeto – que atinge, indiretamente, os familiares, vizinhos e toda a comunidade.

Estima-se que 4% da população de Campinas more na região dos Amarais, que compreende os bairros Jardim São Marcos, Santa Mônica, Campineiro, Recanto da Fortuna e Vila Esperança. Todas as crianças atendidas pelo Primavera residem no entorno da instituição, sendo que 53% moram na Vila Esperança, 45% no Jardim São Marcos e 2% em outros bairros da Região dos Amarais. Neste grupo, muitas famílias trabalham na informalidade e aproximadamente 5% coletam materiais recicláveis como forma de subsistência.

“Nossa finalidade é conscientizar as crianças porque elas são os melhores veículos para multiplicar o conhecimento. Nós plantamos sementinhas e elas conversam com seus pais, parentes e amigos, incentivando-os a cuidar do meio ambiente e separar o lixo. Com o “Verde Que Te Quero Ver” conseguimos ultrapassar os limites dos portões do Grupo Primavera, chegando à comunidade. Temos um ganho difícil de mensurar, mas vimos que as famílias ficam mais atentas ao que as crianças estão aprendendo, quais os valores que passamos a elas e como isso pode ser reproduzido em casa. Além disso, nos aproximamos ainda mais da comunidade, perpetuando e fortalecendo o Primavera como referência em diversas ações, inclusive ambientais”, afirma Ruth Maria de Oliveira, gestora executiva da instituição.

Fundado em 1981, o Grupo Primavera registra mais de 11 mil atendidos por meio de seus programas de educação complementar, cultural e profissional, com o objetivo de reduzir os riscos sociais aos quais estão expostos, capacitando-os e trabalhando para torná-los cidadãos ativos na sociedade. A instituição recebe crianças, adolescentes e jovens de 6 a 18 anos. O ingresso no Primavera segue critérios como perfil socioeconômico vulnerável e a necessidade de os atendidos estarem matriculados na rede pública de ensino.

Entorno revitalizado

O projeto Verde Que Te Quero Ver conta com quatro ciclos de execução, com estratégias que nasceram a partir das práticas das crianças, envolvendo tanto o espaço do Primavera como outros da comunidade. O primeiro ciclo ocorreu no segundo semestre do ano passado com a revitalização do “Espaço Renascer Thaís Vive”, localizado na Avenida Comendador Aladino Selmi, logo na entrada do Jardim São Marcos, que apresentava vários sinais de deterioração, com muito lixo, mato e a presença constante de usuários de drogas. Considerado um marco no bairro, o Espaço homenageia a jovem Thaís Fernanda Ribeiro, atendida durante anos pelo Primavera, vítima de feminicídio, e foi organizado por seu pai, Delfino José Ribeiro.

Delfino integra o comitê “Amigos do Verde” – formado por 15 integrantes da comunidade, dentro do projeto Verde Que Te Quero Ver – e participou, com cerca de 100 pessoas, da ação que contou com plantio de mudas, reforma de bancos de madeira, reaproveitamento de materiais e a montagem de um coração com pedriscos e plantas que reforça o carinho e cuidado com o espaço.

“As pessoas que passavam pelo local viram o empenho de todos na limpeza e organização da praça e diziam: nossa, está lindo!”, relembra Armando Sacolli Junior, assistente social e coordenador do projeto. O trabalho transformou o cenário e a praça passou a acolher trabalhadores da vizinhança que almoçam e descansam tranquilamente nos bancos do local. Após o retorno das chuvas, ainda neste ano, novas melhorias serão feitas, contando com a parceria do Poder Público.

O segundo ciclo incluiu a peça de teatro “Reciclagem pode ser uma festa”, criada e protagonizada pelas crianças. Além de apresentações aos atendidos no Primavera, a peça chegou às crianças da organização ABC (Associação Beneficente Campineira) e do SPES Educação Infantil. Outras organizações, como o CEU Estação Cidadania – Cultura Thaís Fernanda Ribeiro, na Vila Esperança, deverão receber a peça.

O entorno do Primavera também foi revitalizado. As crianças do projeto reestilizaram a logomarca do Primavera e a aplicaram em camisetas e no muro dos fundos da instituição, decorado e pintado no primeiro semestre de 2024. A calçada do entorno foi reformada, respeitando a sustentabilidade e acessibilidade. “Fizemos um espaço interativo que chama a atenção da população para o cuidado e respeito com a natureza”, diz o assistente social.

Já as camisetas foram produzidas para uso tanto das crianças que integram o projeto como dos membros do comitê “Amigos do Verde” – formado por pessoas interessadas no tema ambiental e dispostas a participar de estratégias para melhorar os espaços de vivência e convivência da comunidade. O grupo se reúne periodicamente e mantém um grupo de whatsapp para troca de informações.

Parceiros do projeto, os alunos do ETECAP (ETEC Conselheiro Antonio Prado) já receberam as crianças nos laboratórios do colégio durante a Semana do Meio Ambiente e estiveram no Primavera realizando ações de educação ambiental.

No segundo semestre deste ano ocorreu o terceiro ciclo do Verde Que Te Quero Ver, com o mapeamento das unidades de reciclagem do território. Foram detectadas uma cooperativa no Jardim Mirassol, além de dois pontos informais no São Marcos e um no Santa Mônica, integrado a um depósito que conta com a separação de material reciclável. “Muitas pessoas vivem dessa renda e isso nos levou a convidar um representante da cooperativa para rodas de conversa com nossas crianças, contando sobre a rotina de trabalho, os produtos que recebem, o volume de materiais sólidos coletados, os pontos de coleta e o descarte correto. Tudo isso será usado como conteúdo para uma cartilha com dicas que podem ajudar a cuidar do meio ambiente, montada ao final do projeto Verde Que Te Quero Ver”, destaca Armando Sacolli Junior.

Formada por sete instituições, representantes de coletivos e membros da comunidade, a Rede Abraço, estimulada pelo projeto, tem debatido em seus encontros a falta da coleta seletiva no território e a necessidade de instalação de um ecoponto, eliminando locais onde ocorrem descartes irregulares. “Vamos convidar representantes do poder público para discutir essa questão no início de 2025. É um claro desdobramento das nossas atividades”, reforça o assistente social.

A última etapa do projeto, no primeiro semestre do próximo ano, fechará o ciclo iniciado com a enchente do Ribeirão Quilombo em 2022. A partir de um olhar cuidadoso, será feita a revitalização do entorno do ribeirão, sensibilizando a comunidade sobre a necessidade de limpeza do local, forma correta de descarte do lixo, plantio de mudas e instalação de lixeiras para separação dos recicláveis. “A melhoria da qualidade de vida e do ambiente deve ser constante dentro do território. É isso que buscamos com o Verde Que Te Quero Ver: a continuidade dessas ações em prol do bem-estar da comunidade”, diz Ruth de Oliveira.

Para a atriz mirim Giovana Pimenta, que interpreta Dona Sujeirinha e Dona Limpezinha na peça de teatro, “não é fácil falar para os adultos e outras crianças sobre os problemas ambientais. Muitos adultos acham que as crianças só falam besteira – mas estamos ensinando o que aprendemos aqui. A lição que eu tiro desse projeto é que muitas vezes as pessoas jogam lixo no chão sem pensar nas consequências para todos, elas não entendem que fazem mal ao planeta”, conclui Giovana.

A educadora social Elaine Matta, do Primavera, se emociona ao constatar como as crianças se envolveram com o projeto. “Lançamos este desafio e elas pegaram para si a responsabilidade de compartilhar todas as informações que receberam.  É um erro achar que não são capazes. Não vemos mais papel jogado no chão, o lixo é separado dentro do Primavera e elas levam essa experiência para fora da OSC, mostrando a consciência que ganharam com as atividades realizadas”.